Procura-se um Muso
A exposição coletiva Procura-se Um Muso foi uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher, instituído a 8 de março de 1857. O tema da mostra é o título de um texto
da cronista Patrícia Cicarelli, publicado em 2010 na revista Santos Cultura e Arte, inspirado no poema de Rainer Maria Rilke, O Torso Arcáico de Apollo. O poema, escrito quando o poeta trabalhava com Auguste Rodin na primeira década do século XX, foi inspirado por sua vez na escultura de mesmo nome, de autoria desconhecida, encontrada no século III a.C
Patrícia Cicarelli - Cronista, jornalista, assessora de imprensa especializada em divulgação cultural., artística e literária
Procuro um “muso”, não precisa ser perfeito e nem de todo imperfeito. Procuro um novo masculino para uma nova mulher. Pode ter pecado, porque todos que têm um passado já cometeram erros. Não precisa ser poeta, mas deve gostar de poesia e não deve ser excessivamente orgulhoso, deve ser solidário a homens como Leopold Bloom e ter humildade perante o vício. Procuro um ser masculino a me inspirar. Procuro.
Os homens poetas e artistas sempre tiveram suas musas, filhas de Zeus que são, essas ninfas. Mas e nós mulheres? Artistas plásticas, poetas, escritoras, agora nós procuramos quem possa merecer a nossa inspiração. Há muito pouco, iniciamos uma revolução sem precedentes na história da humanidade. Quebramos conceitos, rompemos preconceitos, mudamos a ordem do mundo, assumimos posições de mando e de comando, mais que isso, resgatamos nossa “pele de foca” - um dos mitos do livro Mulheres que...
...Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Rocco -, passamos a existir, a ter identidade. Hoje, podemos tudo. Podemos ser chefe de estado, prêmio Nobel, cientista, magnata e o que mais quisermos, antes status exclusivamente masculino. Quebramos padrões, como Chiquinha Gonzaga que rompeu com os paradigmas sociais da sua época e se eternizou na música. Podemos ser como Cora Coralina, que no auge da maturidade iniciou sua trajetória de poeta e entrou para sempre história da poesia brasileira.
Podemos ser Indira Gandhi, mito e mártir, vítima de suas conquistas, numa cultura extremamente machista - uma mulher que foi além. Podemos ser Madre Tereza de Calcutá, a nobreza santa da solidariedade e também sermos Lady Di, a nobreza profana, uma mulher que só queria ser amada. Podemos ser guerreiras como Joana D’Arc ou Anita Garibaldi, podemos ser grandes mulheres e escrevermos grandes histórias.
Fomos musas por tanto tempo: Inês de Castro, Marília de Dirceu, Beatriz, Hannah Arendt, Maria Callas, a Moça com Brinco de Pérola, Chica da Silva, Dulcinéia Del Toboso, Luz Del Fuego, Maria Madalena, Marquesa De Santos, reais e imaginárias. Quem serão nossos “musos”, então? Que masculino será esse merecedor da nossa obra? Será que essa nova mulher busca o homem etéreo, o belo, o herói, o sedutor facínora, o intelectual?
Seria esse nosso “muso”, um cavaleiro errante? Ou seria um ser falho, emotivo, que peca, que tem marcas profundas de seus erros de juventude, e no entanto guarda beleza interior que só o olhar feminino é capaz de enxergar? Não precisa ser Adonis, nem Narciso, Don Juan ou Casanova. Talvez um Arlequim ou um Pierrô apaixonado? Ele não pode ser carrasco. Quem sabe tenha o olhar de Clint Westood, no seu personagem das “Pontes de Madson”? Não sei quem ele é. Apenas tenho certeza de quem ele não é.
Não buscamos mais o príncipe encantado, um homem ideal. O masculino a nos inspirar há de ser capaz de amar com a sensibilidade da alma de uma mulher. Um homem belo, como a escultura revelada na magia no poema de Rilke “O Torso Arcaico de Apolo”, e que sinta por mim o que é tecido num dos mais belos poemas do príncipe dos poetas, Guilherme de Almeida, “O Ciúme”. Esse homem vive como um cego à deriva nessa era de valores invertidos e amores descartáveis, perdido nas tempestades do deserto...
...das areias que ele próprio levantou no seu tempo perdido, agora à procura de um oásis no corpo de uma mulher. Procuro sim o masculino inspirador de uma nova mulher; a que padeceu, que foi queimada na fogueira, guilhotinada, seviciada, execrada, exilada, emparedada, enclausurada, mutilada, marcada a ferro e fogo, mas que ressurgiu desse fosso e não se tornou amarga.
Antes, revelou-se maior, um ser capaz de converter toda sua dor e memória em poesia, seja em versos ou em prosa, música, pintura, estátua de bronze ou do branco mármore, capaz de estender as mãos para o masculino que ela quer recriar como um novo ser, sua fonte de inspiração - criadora e criatura -, a percorrer o imprevisível labirinto da vida. Essa mulher, romântica, guerreira, bruxa, amante, protetora, feminina, dominadora, solidária, simplesmente mulher, procura um “muso”.
PROCURA-SE UM MUSO Patrícia Cicarelli - Cronista, jornalista, assessora de imprensa especializada em divulgação cultural., artística e literária.